por

Abrir a Porta do Galinheiro à Raposa

Carlos Santos – Artigo de Opinião

“Eu era capaz de dizer que enquanto não fosse resolvido o problema da falta de professores poderia ser criado um regime excecional e transitório de um ligeiro aumento do número de alunos por turma e de uma ligeira redução da carga curricular dos alunos.”

(Blog DeAr Lindo, 2024-10-29)

Uma declaração que me parece nada ter de inocente, está em total sintonia com o programa eleitoral da AD que propunha “Flexibilizar as cargas letivas obrigatórias nos vários níveis de escolaridade”.

Lamentavelmente, um blogue cuja dimensão já assume o estatuto de serviço público, continua a não conseguir ter uma postura isenta à altura daquilo que dele se espera, não se coibindo em apresentar publicações cujo perfil ideológico sobrepõe-se aos interesses dos professores, como supostamente será o caso.

Digamos que, depois de tantos anos de luta em que os professores conseguiram ver reduzida a dimensão das turmas, é inaceitável uma proposta que defenda o aumento do número de alunos por turma, lesiva tanto para alunos como para professores. Dificultaria o trabalho pedagógico em sala de aula por parte dos professores e prejudicaria as aprendizagens dos alunos. E, no contexto atual, ainda menos se justifica, visto estarmos perante um fenómeno de brutal aumento de alunos estrangeiros e de alunos autistas (sobretudo brasileiros), somando-se ao universo de alunos cada vez mais indisciplinados e difíceis de lidar. A confluência destes fatores, por si só, exigiria que se repensasse no sentido de uma diminuição do número de alunos por turma, pelo que, o surgimento destas ideias peregrinas a apelar em sentido contrário, apresenta-se como surreal.

A conjugação destas duas medidas, resultaria inevitavelmente numa redução do número de turmas e, consequentemente, de horários disponíveis a concurso, que implicaria uma redução de professores a serem necessários. As implicações para os professores seriam a falta de oferta de horários mais próximo da sua residência e o despedimento de professores em alguns grupos disciplinares onde se efetuassem os cortes de carga curricular dos alunos.

Parece impossível, mas, na verdade, continua a haver professores que, em nome da resolução de um problema, não se importam de fazer o frete ao governo, prejudicando colegas de profissão e alunos.

Mas eu já tinha alertado que isto ia acontecer. A solução para a falta de professores tem resolução fácil e «eles» (independentemente da cor partidária) sabem-no muito bem. Bastava pagar condignamente aos professores pelo trabalho e responsabilidade que assumem, disponibilizar apoios reais à deslocação e estadia, melhorar as condições de trabalho e de carreira para que se acabasse de vez com a falta de professores. Com isto, muitos jovens iriam ingressar na profissão, muitos outros que a abandonaram regressariam e outros aceitariam horários em zonas carenciadas.

Mas não o querem fazer, preferindo efetuar todo o género de malabarismos para resolver o problema, como baixar o nível de qualificações exigíveis para a docência, chamar docentes reformados e aliciar a ficar os que se iam aposentar, extinguir o artigo 79º, implementar nos horários dos professores a turma extra, aumentar o número de alunos por turma e diminuir a carga letiva semanal dos alunos. Continua-se a optar por remendos e propostas indecentes para não se fazer o que é óbvio aos olhos de todos, preferindo diminuir no número de professores a serem necessários como forma de resolver a questão.

Embora este veneno venha untado com o mel das palavras “regime excecional e transitório”, a experiência lembra-nos de que tudo aquilo que entrava dessa forma, depressa passava a definitivo. E, não deixa de ser muito preocupante que a lista de propostas «experimentais e provisórias» não pare de aumentar. Não nos podemos permitir «abrir a porta do galinheiro à raposa», porque depois poderemos ter de andar durante anos a lutar para reverter a situação.

É preciso ter muito cuidado com as palavras que se usam, porque podem ter um impacto nefasto na vida de muita gente.

Carlos Santos

Anterior/Seguinte

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *