
Em Portugal, fruto de décadas de desinvestimento na manutenção do parque escolar, as infraestruturas e os espaços escolares encontram-se num estado avançado de abandono e de progressiva degradação. O ritmo acelerado desta deterioração tem sido incompatível com as soluções paliativas, manifestamente insuficientes, anunciadas por sucessivos governos, dado que, na sua generalidade, não se destinam a resolver ou atacar os problemas de fundo. De facto, nesta matéria, as sucessivas divergências políticas entre executivos, têm sido parte do problema, uma vez que, para além de anúncios circunstanciais, cerimónias de lançamento de supostas primeiras pedras e promessas eleitorais, as medidas têm-se revelado incapazes de resolver as questões estruturais.
A tão contestada transferência de competências para as autarquias locais e para as entidades intermunicipais fez aumentar consideravelmente os problemas internos das escolas, nomeadamente a gestão dos refeitórios, dos recursos humanos e a manutenção das próprias infraestruturas. Esta descentralização tem sido um dos principais focos de atrito entre presidentes de câmara, vereadores, diretores escolares, auxiliares educativos e associações de pais. A partidarização da gestão local e os conflitos internos fomentam o adiamento sistemático de obras estruturais essenciais em centenas de edifícios, comprometendo o conforto, a segurança e as condições de trabalho e ensino-aprendizagem da comunidade escolar.

As Contradições do Ministro da Educação Fernando Alexandre
As intervenções do Ministro da Educação, Fernando Alexandre, a propósito desta matéria, têm revelado uma abordagem inconsistente do tema e uma ausência de conhecimento aprofundado da realidade.
- Julho de 2024: O ministro reconhece a gravidade do problema, identificando mais de 600 escolas com necessidade de obras urgentes. No entanto, alega limitações orçamentais e, no quadro da descentralização, anuncia financiamento para intervir em apenas 28 escolas.
- Novembro de 2024: Quatro meses depois, desce para 500 o número de escolas que necessitam de intervenção urgente. O ministro critica o governo anterior pela dependência de fundos europeus e promete um processo de seleção “transparente e racional”, embora sem divulgar critérios ou listas de escolas prioritárias.
Ficamos também a saber que apesar dos acordos firmados em 2022 entre a ANMP e o ministério da educação, ainda sob a tutela de João Costa, para a recuperação de 450 escolas identificadas, nenhuma terá alvo de intervenção. Porquê? Este é mais um misterioso dado que Fernando Alexandre não sabia, mas, que agora (esperamos) esteja ciente de saber que não sabia. - Julho de 2025: Um ano após o primeiro anúncio, a contagem regressa às 600 escolas. A anterior limitação orçamental, que permitia obras em apenas 28 estabelecimentos desaparece, e o ministro promete a recuperação de 451 escolas. No mesmo dia, acrescenta que apenas 99 serão intervencionadas com os fundos europeus disponíveis.
- Setembro de 2025: O governo anuncia um concurso para obras “muito urgentes” em 22 escolas. Contudo, e apesar da urgência, a solução de financiamento será um empréstimo de mil milhões de euros ao Banco Europeu de Investimento (BEI), a ser pago até 2030. Paradoxalmente, o ministro justifica que os concursos públicos para as obras só deverão ser lançados em 2026 para evitar a inflação dos preços, porque, nas palavras do senhor ministro, “atualmente, o país não tem capacidade de construção”, adiando assim, para um futuro incerto, a resolução dos problemas.
Nesta matéria, a governação de Fernando Alexandre caracteriza-se por três falhas centrais:
Imprecisão e Falta de Transparência: A flutuação dos números de escolas a necessitarem de obras tem sido uma constante, agravada pela ausência de relatórios técnicos que justifiquem as prioridades de intervenção. A promessa de que o processo seria “racional e transparente”, até à data, não foi cumprida.
Hipocrisia e incoerência política: O ministro que criticou e denunciou a “eterna dependência de fundos europeus” recorre agora a um avultado empréstimo junto do Banco Europeu de Investimento (BEI). Em vez de inscrever esta prioridade no Orçamento do Estado, Fernando Alexandre opta por contrair dívida, adiando os custos das suas opções para futuros governos.
Desresponsabilização: É intelectualmente desonesto culpar as autarquias pelo fracasso da manutenção dos espaços escolares, tendo conhecimento de que a transferência de competências não terá sido acompanhada do devido envelope financeiro. Trata-se efetivamente de uma descentralização que, na prática, terá servido mais para o poder central alienar e se descomprometer das suas responsabilidades, do que para reforçar a autonomia do poder local.
Em síntese, o cenário traçado demonstra a incapacidade estrutural, do poder político, para enfrentar a gravidade do problema e reverter a degradação das infraestruturas escolares em Portugal. Décadas de desinvestimento e promessas, sucessivamente adiadas, geraram um parque escolar envelhecido e inseguro à mercê de uma descentralização que, longe de ser a solução proclamada, apenas contribuiu para ampliar problemas, potenciar o caos administrativo e diluir responsabilidades na relação entre autarquias, direções escolares e Ministério da Educação. O recurso a um empréstimo de mil milhões de euros ao Banco Europeu de Investimento, anunciado como solução rápida e milagrosa, aparenta ser mais uma artimanha financeira para justificar o eterno adiamento de decisões estruturais e empurrar custos e responsabilidades para o futuro, sem garantias de transparência sobre prioridades, prazos ou critérios de intervenção.
Ao contrário do que o Sr. Ministro tem alegado, não faltam dados ou informações concretas sobre as infraestruturas escolares. Não, efetivamente, não faltam indicadores precisos sobre o estado das escolas, o que tem, de facto, faltado ao MECI é humildade e lisura intelectual para reconhecer a relevância do trabalho desenvolvido por outros atores. A sobranceria política e a cegueira institucional são obstáculos intransponíveis, que têm levado Fernando Alexandre a ignorar as parcerias internas em benefício das consultorias prestadas por agentes estranhos. Exemplo dessa arrogância institucional é a forma como foi ignorado o relatório elaborado pela MetaProf, Metaprof, enviado para o Ministério em março de 2025. Fruto de uma ampla e sistemática recolha de informação, junto daqueles que diariamente convivem com a degradação estrutural das escolas — professores, auxiliares educativos, alunos, encarregados de educação e técnicos administrativos. O relatório apresenta um retrato fidedigno, elaborado com zelo e empenho pela comunidade que conhece como ninguém a realidade dos seus locais de aprendizagem e trabalho.
A Metaprof forneceu ao MECI dados por região, escolas afetadas, registos fotográficos, evidências sobre a presença de amianto em muitas estruturas escolares e outros elementos técnicos mas, apesar do detalhe e relevância das informações cedidas, o Ministério preferiu continuar a ignorar, talvez para poder continuar a sustentar a sua ineficiência na tão propalada falta de dados!
No que ao relatório da MetaProf diz respeito, Fernando Alexandre jamais poderá alegar que não sabia que não sabia pois, se não sabia é porque decidiu não saber!
Sem um compromisso político sólido, metas públicas claras e financiamento sustentável, a requalificação das escolas continuará dependente de anúncios mediáticos, obras paliativas e engenharia financeira, deixando alunos, professores e comunidades num permanente limbo entre a promessa e realidade.
Lisboa, 25 de setembro de 2025
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